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segunda-feira, 9 de junho de 2014

O círculo da violência.

Já estou com quarenta e sete anos e estou em cana desde que me conheço por gente. Minha história não é muito diferente da grande maioria dos meus irmãos que estão aqui. Minha mãe lutou pra me criar sozinha. Não conheci o meu pai, me disseram que foi preso, como eu estou agora. Ela arrumou um padrasto que me via mais como um peso na vida dele do que como um filho pra criar. Sempre gritava comigo e me batia. Minha mãe não podia fazer, lá, muita coisa, só apanhar também.
Eu não gostava de ficar em casa e também não gostava de ir à escola. Não dei valor à aula. Minha escola foram as ruas do gueto, onde me criei e aprendi a me cuidar da forma que dava. Acho que a maior falta em minha vida não foi a escola, embora pudesse ter ajudado muito, mas um pai. Uma referência masculina. Alguém que me ensinasse o que um homem deve ser. Nas ruas, a referência que encontrei do que era um homem foram os manos que mandavam na quebrada. Foi com eles que eu aprendi o que era ser homem. O homem era aquele que todos temiam e respeitavam. Aquele que conseguia o que quisesse, sem arregar. O homem era o oposto do viadinho frouxo que deixava os outros fazerem ele de otário. O homem era aquele que todas as vagabundas queriam porque ele tinha mais dinheiro e respeito.
Eu tive que aprender a brigar, a ser durão e a me valer dessa firmeza. Não tinha espaço para coração, tinha que mostrar pra todos que era homem, pra que não mexessem comigo.
No gueto, não havia lei. A lei só aparecia ali pra nos enquadrar e levar pra cadeia, não pra nos proteger. Então nós tínhamos que formar a nossa própria proteção. Assim, surgiam as gangues de rua para defender os nossos bairros. Aos doze anos, peguei na minha primeira arma. Começa com alguns "corre" aqui e ali, e, quando percebe, já está tão envolvido nisso que esquece por onde entrou e como voltar atrás. Você se perde nas ruas, a escola do crime. Havia dois destinos aonde esse caminho levava: prisão ou caixão. Quase todo mundo no gueto conhecia alguém que tinha sido morto ou preso. Naturalmente, terminei em um desses destinos. Aos treze anos, fui parar no reformatório. Tudo o que você aprende nas ruas, tem que saber usar na prisão.
Quando se acorda com um gemido de dor, à noite, olha pro seu lado e vê um moleque sendo currado por outro mais forte que ele, você percebe o lugar em que veio parar. A partir desse momento, vi a necessidade de andar com uma faca, o tempo todo, pensando se amanhã seria a minha vez. Quando ele veio atrás de mim, enfiei o estoque na gargante dele uma, duas, três, quatro, cinco vezes. Não parei até ver os olhos dele virarem e apagarem.
Na prisão você é testado. Surras, roubos, estupros e assassinatos, as lições das ruas foram postas à prova e me permitiram sobreviver a tudo isso. Apanhei muito e chorei muito, mas nunca na frente dos outros. Se as ruas são a escola do crime, a prisão é, sem dúvida, a faculdade.
Saí do reformatório com dezesseis anos, com muito ódio na mente e manjando de todas as maldades possíveis. É lógico que voltei pra vida antiga, fazendo a única coisa que sabia fazer. Aos dezoito anos fui preso, de novo, por matar três da gangue inimiga. Acabei na pós-graduação do crime: uma prisão de segurança máxima.
Aqui, tinha que tomar cuidado, não só com os outros presos, mas pra não ser dobrado pelas autoridades. Eles podiam fazer o que quisessem com a gente aqui. Se já abusavam da autoridade lá fora, esculachavam aqui dentro. quem ia saber? E quem ia dar a mínima? Aqui, você não é visível, e mesmo que fosse, ninguém se importa com você.
Os carcereiros batiam na gente sem dó. Não precisava muito, bastava um olhar torto pra levar cassetete no lombo. O chefe dos guardas era um sádico. Ele se orgulhava em falar: "Vocês estão no inferno e eu sou o capeta!". A gente estava mesmo no inferno, pois esse lugar é esquecido por Deus.
Eu sofria muito nas mãos deles. Apanhava, era humilhado, esquecido na solitária, que, na época, era apenas uma cela escura com um balde pra cagar e mijar. Nós entrávamos nesse zoológico e já eramos animais, eles nos tratavam de acordo e saíamos animais ainda piores.
Um dia, o chefe devia estar com problemas pessoais, não sei, mas dava pra perceber, nos olhos dele, que estava muito puto com alguma coisa. Esse foi o meu erro, olhar nos olhos dele, mesmo que de relance. Ele achou um saco de pancadas pra descontar a raiva.
-Tá me estranhando, negão?
-Não senhor.
-Segura ele!
Outro guarda, atrás de mim, prendeu o cassetete em torno do meu pescoço. Falei:
-Calma senhor! Eu não fiz de propósito...
-Calma é o caralho! quem manda nessa porra aqui sou eu!
E deu com a ponta do cassetete em minha barriga. Perdi o ar, mas ainda tinha que responder:
-Entendeu?
-Sim...
Levei um tapa, das costas da mão, na minha cara.
-Sim o que?
-Sim senhor.
-Bom.
O gorila me soltou e eu fiquei no chão.
-Olha pro chão, neguinho.
 Ficou por isso mesmo. Ninguém iria nos ajudar. Então ouvimos falar que um tal de George Jackson, em San Quentin, estava criando uma gangue dentro dos muros. E não era uma gangue pra proteger bairros, era uma força pra proteger nossa gente atrás desses portões do inferno. O nome que ficou conhecido era Black Guerrilla Family.
A organização se espalhou como fogo pelo sistema penitenciário, chegando até aqui. Os recrutadores da Black Guerrilla Family eram mais que durões, eram diferentes dos manos que eu conheci lá fora. Eles tinham uma visão das coisas que abriu os meus olhos. Eles nos faziam ler. O próprio fundador da gangue lia muito e havia escrito dois livros na prisão: "Soledad Brother" e "Blood in my eyes".
Eu larguei a escola na quinta série e lia muito mal, mas eles me estimularam a ler. Disseram que isso mudaria para sempre o meu modo de ver as coisas. E mudou mesmo.
Comecei a frequentar a biblioteca, a enriquecer o meu vocabulário, a conhecer a história. conheci nomes como Marx, Lenin e Mao Tsé-Tung. Comecei, finalmente, a entender o porquê das coisas serem como são. tudo começou a ficar mais claro: porque eu via tantos rostos negros como o meu nas ruas e atrás das grades? Porque tantos do meu povo iam para a penitenciária enquanto tantos do povo deles iam para a universidade? Eu nunca havia parado pra pensar nem na minha vida, quanto mais a pensar nisso. Mas agora eu entendia.
A escravidão aprisionava a minha gente desde séculos antes de eu nascer. Séculos em que não tivemos liberdade de ir e vir. Os brancos restringiam as nossas vidas. Nos trancafiavam e açoitavam que nem bicho em cativeiro. E mesmo depois da abolição da escravatura, a repressão de nosso povo continuou, só que agora, ao invés de nos prenderem em senzalas, nos prendiam em guetos e presídios. ao invés de capatazes, tínhamos policiais e carcereiros.
Não fossem os livros, eu acharia tudo isso natural. Acharia natural os carcereiros me chamarem de "preto vagabundo". Mereço ser chamado de vagabundo pela vida que levei. Pelas escolhas erradas que fiz. Não sou santo nem inocente, mas aprendi que não podia ser normal alguém me chamar de vagabundo baseado em minha cor.
Também achava normal o meu povo se matar nas ruas o tempo todo. Matar alguém de outra gangue por que nasceu em outra rua. Assim como os nossos ancestrais, na África, brigavam entre as tribos, fazendo o jogo dos brancos ao venderem os seus semelhantes como escravos. Ler a história me fez perceber o propósito da Black Guerrilla Family: unir nossa raça para que deixássemos de ser escravos nesse lugar.
Então, quando estávamos prontos, a Black Guerrilla Family decidiu mandar um recado para as autoridades para deixarem de nos tratar como cães. Iniciamos uma rebelião e capturamos o chefe, que impunha tanto sofrimento a nós. O levamos  para um canto, estendemos o braço dele, aquele mesmo braço que deixou tantas marcas em meu corpo e minha mente, tomei o cassetete em mãos e desci como se fosse partir lenha.
"Crack", eu ouvi os ossos se quebrando e o grito de dor. Desci o cassetete mais uma vez. "Crack", desta vez, a fratura foi exposta e o osso saiu pra fora do braço. Desci de novo. "Crack", o osso se partiu e o braço ficou pendurado apenas pela pele. Larguei o cassetete, na frente do homem, choramingando e implorando pra morrer logo, e disse:
-Nunca mais você baterá em um negro com esse braço.
Nós o deixamos viver, pra que contasse a todos do que a Black Guerrilla Family era capaz. Acabou o reinado com mãos de ferro dos guardas. Agora, os negros eram respeitados nesse lugar. ninguém mais mexia com a gente, mas isso não impediu que mexêssemos com os presos brancos e, assim, apenas alterar a balança de poder. No final, a rivalidade entre as raças ajudou o sistema a retomar o controle, pois é melhor os presos brigando entre si do que formando uma coalizão única contra o sistema.
Nós não víamos os presos brancos como sendo presos assim como nós, já que eles sempre foram minoria entre os detentos. Nós os víamos como sobras do povo inimigo, e nos vingávamos através deles. Eles eram estuprados, roubados, espancados, extorquidos, chantageados e assassinados por nós. Estávamos criando um monstro pior do que a nossa própria gangue. Nós demos as razões a eles assim como os guardas deram a nós. Fornecemos o ódio e a luta pela sobrevivência necessários para a criação da gangue mais perigosa que já vi surgir atrás das grades: a Irmandade ariana,e posteriormente, os Nazi Low Riders.
Depois de serem tão vitimados por nós, os brancos disseram "fodam-se os pretos" e tatuaram suásticas no corpo para deixar isso bem claro. Não importava que estivessem em menor número, tornaram-se mais violentos que nós e passaram a ser mais temidos. qualquer sinal de desrespeito já é um passe pra baixo da terra, junto com a sua família.
além dos negros e brancos, haviam também os latinos. eles não tinham uma gangue para protegê-los, então passaram a ser as vítimas da vez. Alvos de extorsão, roubos e estupros. só que ninguém suporta calado essa vida pra sempre. Foi aí que criaram a Máfia mexicana para se defenderem.
Mas os México-americanos da área de Los Angeles, os chicanos, não viam os seus semelhantes caipiras do norte da Califórnia e do Texas como iguais. Eles vinham direto do México e falavam apenas espanhol. Aí foi a vez deles serem explorados pelas outras raças. Para sobreviverem aqui, os mexicanos do norte formaram a "La Nuestra Familia" e os do Texas formaram o "Sindicato do Texas".
Sabe quando as gangues vão deixar de existir? Nunca, porque os homens terão sempre esse instinto de se juntar em tribos para sobreviver, quando acuados. Dê a eles o ódio acumulado e a necessidade de lutar e verá que criamos nossos monstros todos os dias. é como encurralar cães para vê-los formar uma matilha de lobos.
As gangues podem ter surgido com o objetivo de proteção, nas ruas e nas penitenciárias, mas adquiriram outras funções, com o tempo. Afinal, somos criminosos, não se esqueça disso. O que antes eram como sindicatos para nos defender, agora são como empresas cujo o objetivo é lucrar.







sábado, 7 de junho de 2014

Não bata em crianças.

Haha, eu sempre fui bastante esquentado. nunca aceitei desaforo de ninguém. Quando alguém me irritava, levava um corretivo sem eu pensar na hora. Até que um dia, um moleque começou a me encher na fila do supermercado. O pentelho ficava me azucrinando, me desrespeitando, me chamando de "tio babaca" e eu já estava com vontade de meter a mão na cara dele. E pra me deixar bem puto ele disse "O que você vai fazer? Você não é meu pai, seu babaca!" , então eu respondi: "Verdade, não sou. O seu pai é aquele ali, né?". um cara que parecia ser o pai do pirralho chegou e eu perguntei:
-Você é o pai desse moleque aqui?
-Sou, porque?
Aí eu meti um cruzado na cara que ele já caiu no chão. E todo mundo do supermercado viu eu continuar descendo o cacete no pai do pentelho, na frente dele. Aí o pivete veio chorando:
-Buáhhhhh, deixa o meu pai em paz!
-Agora você chora, né seu merdinha?
e continuei batendo até cansar. quando eu terminei, eu olhei pra aquele fedelho chorando e disse:
-Que foi? não vai dizer que ficou traumatizado!
Lambuzei minha mão, molhada de sangue, na cara do pirralho.
-Toma o sanguinho do papai, seu bosta! e respeite os mais velhos!
Depois disso, o cara entrou em coma e eu fui condenado por lesão corporal grave.

Linchamento

Eu nunca imaginei que iria parar aqui. Eu era estudante de medicina. Nunca briguei, nunca matei nem mosca, gostava de ajudar as pessoas. Achei que nunca seria capaz de fazer nenhum tipo de mal a ninguém. Eu estava errado.
Em uma noite, caminhando com  mais três amigos de volta para o pensionato, quando uma menina surgiu no meio da escuridão. Ela chorava, tinha as roupas rasgadas, hematomas no rosto e disse que havia sido estuprada. Nós perguntamos se ela viu pra onde o estuprador tinha ido. Ela engoliu o choro, com dificuldade, e apontou uma direção. meus Perguntaram algum detalhe sobre ele, ela disse: "branco", "camiseta preta".
Eles saíram correndo atrás dele e eu falei:
-Espera! Temos que levá-la para um hospital!
-Depois! Vamos pegar esse filho-da-puta!
Eu não fiquei pensando, segui a onda e fui com eles. Foi quase instintivo. Nós andamos alguns metros pelas árvores e avistamos um cara branco de camisa preta.
Gritamos:
-Parado aí, estuprador!
Ele ouviu e olhou pra gente. Nós  correremos  e ele correu também. O seguimos pela rua berrando "estuprador!", "pega estuprador!". As pessoas por quem passávamos ouviam e juntavam-se a nós como uma horda. Até um momento em que olhei em volta e percebi mais de trinta pessoas correndo e gritando "pega estuprador!".
Algumas pessoas, mais à frente, ouviram e tacaram uma pedra nele. Ele cambaleou, dando tempo de alcançá-lo. Alguém o catou e empurrou no chão. Ele não teve a menor chance: todos nós o chutamos, pisoteamos, xingamos e cuspimos nele. Pisávamos com vontade, convictos de que ele merecia cada momento de dor antes de morrer. Eu também fiz isso.
Eu não sei como ele conseguiu, mas ele se levantou, agarrou-se em mim e olhou fundo em meus olhos. Já estava todo ferido e ensanguentado, mas eu só me concentrei naqueles olhos. Não era um olhar de ódio, havia outra coisa naquele olhar que não pude identificar na hora. Achei que fosse o medo de morrer ali.
Então ele foi  puxado ao chão e desapareceu sob um mar de pés. Eu me afastei um pouco, estava meio em choque. Ouvia gritos e xingamentos, mas pareciam distantes. Era como se o olhar do homem, que eu ajudava a matar, tivesse me dado um estalo e me trazido de volta ao estado normal. Eu percebi minhas roupas encharcadas com o sangue dele.
Foi quando os meus amigos me agarram pelos braços e disserem:
-sujou! Vamos cair fora daqui!
Chegou a polícia. Eles tentaram dispersar a multidão, mas começaram a levar pedradas. As pessoas gritavam "Vocês vão proteger um estuprador?". Veio uma ambulância socorrer o sujeito linchado, a multidão foi direto tentar virar a ambulância de lado. Os policiais se viram forçados a espantar a turba com cassetes, como um leão dando patadas pra afastar abutres de cima de uma carcaça. De que adiantou? O infeliz já estava morto fazia tempo.
A turba foi se afastando e se acalmando, como se as pessoas saíssem de um estado animalesco. Tão rápido quanto se juntaram, as pessoas se dispersaram e voltaram a cuidar de suas vidas.
No dia seguinte, eu caminhava pela mesma rua, em direção à faculdade, quando aquela moça, que havia sido estuprada, reapareceu. Fiquei intrigado, quase tinha me esquecido dela:
-Você está bem? Cuidaram de você depois....
-Aham, obrigada.Tem uma coisa que eu preciso lhe contar....
 Ela me alarmou  com uma declaração:
-O rosto dele estava irreconhecível......Mas ele não estava vestido daquele jeito.
Torci pra que ela estivesse referindo-se a outro assunto, mas sabia que não era o caso. Fiquei inconformado:
-Como assim? Você não disse que ele usava uma camiseta preta?
-Aquilo não era preto, aquilo era é azul escuro! Além disso, ele vestia jeans não moletom!
Eu senti como se tivesse levado um soco no estômago. Rezei pra que ela tivesse se enganado, mas como poderia? Só ela podia afirmar quem era o estuprador e eu sabia disso.
-E porque você não falou antes?
-Eu estava em choque! E vocês saíram correndo antes que eu dissesse mais alguma coisa.
Eu caí na real. Estava escuro, como podíamos distinguir precisamente azul escuro de preto? Perseguimos o cara porque ele correu, e quem não correria ao ver quatro estranhos vindo em sua direção, claramente com raiva ? Tive que admitir a pior ação da minha vida: matamos um homem inocente de forma brutal. Tentamos fazer justiça com as próprias mãos baseados apenas nas poucas informações que uma garota, visivelmente abatida, nos deu porque a pressionamos.
-Escute, não contei a ninguém sobre seus amigos, muito menos às autoridades. Só achei que você devia saber.
Com uma expressão tão pesarosa quanto a minha, ela seguiu o seu rumo, deixando-me só com minha consciência. Nunca me senti tão culpado, indigno e imundo  quanto naquele momento.
 Eu lembrei daquele olhar e entendi o que havia nele: era um olhar de interrogação. Parecia perguntar "porque estão fazendo isso comigo?", "O que foi que eu fiz?". Eu nunca mais esqueceria aqueles olhos, os vejo até hoje.
Daquele dia em diante, aqueles olhos passaram a me perseguir. Não sei se você acredita em fantasmas, devia ser apenas minha mente, mas aquele homem aparecia pra mim, me olhando daquele jeito em todos os meus sonhos. Eu não conseguia mais dormir, nem conviver com a ideia de ser um assassino. continuei vendo aqueles olhos em todos os cantos: nos espelhos, no retrovisor, na água, nas janelas, em tudo.
Um dia, conversei sobre isso com os meus amigos e eles disseram:
-Cara, esquece isso! Não foi só a gente, foi um monte que linchou o cara!
-É daí? Todo mundo matou ele! Isso me torna menos culpado? Eu matei um homem inocente!
-Foi todo mundo e ninguém! não dá pra dizer quem o matou, foram mais de trinta pessoas!
-Trinta pessoas, todas vivendo suas vidas como se nada tivesse acontecido, e ninguém se sente culpado de nada. maldito seja cada um que participou disso, inclusive eu!
Depois daquela conversa, me passou pela cabeça que haviam trinta assassinos que não seriam responsabilizados, nem mesmo pelas próprias consciências. Ninguém sentia-se culpado, afinal, foi todo mundo, não é? Isso me fez sentir ainda pior e continuei sendo assombrado por aqueles olhos. O pior era saber que carregaria aquilo pelo resto da vida, já que não tinha como reverter o que fiz. Eu não aguentava mais e uma noite eu gritei:
-qualquer coisa! qualquer coisa pra você me deixar em paz!
Talvez, o espírito dele precisava de algo para descansar, ou eu apenas estava tentando ficar de bem com a minha própria consciência, mas eu decidi me entregar e me responsabilizar pelo assassinato.



sexta-feira, 6 de junho de 2014

Vikings, suásticas e demônios.

-Calma aí, carne-fresca, só quero levar um papo com você.
Albert via à sua frente um homem que aparentava uns 30 anos, de tronco musculoso e cabeça raspada. Mas não foi pela compleição física que ele se assustou, e sim pelas tatuagens, numerosas e intimidadoras, no corpo do estranho. No ombro direito estava o esqueleto de uma águia empoleirado sobre um círculo com o símbolo nazista da suástica no centro. À  direita da águia estava tatuada a letra "N", abaixo a letra "L", e à esquerda a letra "R". Em seu pescoço estavam gravadas os raios "SS" da tropa de elite do exército de Hitler. Em seu antebraço esquerdo havia a imagem de um viking, de barba longa e usando o famoso elmo com chifres. No antebraço direito via-se uma cruz celta, que tinha as três pontas envoltas em um círculo.
-Venha comigo que vou te apresentar o seu povo.
(....)
O líder(.....)tinha várias tatuagens que  eram ainda mais intrigantes.
No ombro esquerdo tinha um trevo de quatro folhas com uma suástica sobreposta ao mesmo. No espaço entre cada folha do trevo e cada perna da suástica havia um número seis gravado. Juntando os números formava-se o número "666", o sinal do Demônio. no pescoço do líder estavam as letras "AB".
(...) O que estava sentado à esquerda de Albert também tinha a cabeça raspada. No pescoço estava escrito "Pica-Pau". Iniciando no ombro e descendo ao longo do braço encontrava-se a imagem de um pica-pau parecido com o do desenho animado, porém, este era parrudo, com o olhar de assassino e um cigarro aceso no bico. Na testa estava gravado o número "88".
(...) -Travis, mostre o que os nossos símbolos significam.
Travis pousou, firmemente os dois antebraços na mesa e falou:
-Este é o viking, esta é a cruz celta. Simbolizam o passado puro de nossa raça branca, descendente dos povos arianos da antiga Europa ocidental. Seu nome é....?
-Albert O'Brien.
-O'Brien é um nome irlandês. Você tem o sangue dos antigos celtas correndo nas veias. assim como eu, Travis O'Neill.
O líder decidiu se apresentar:
-Meu nome é Fergus O'Kane, meus antepassados também são celtas. Como você pode pode ver, carne-fresca, aqui nós nos orgulhamos e representamos nossa origem em comum. somos o símbolo da supremacia branca. Nós somos a Irmandade ariana e os Nazi Low Riders.

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Harley-Davidson.

Lance ouviu um altíssimo barulho de motor de moto vindo de fora da casa. E não era de uma moto qualquer, era o som possante de uma Harley Davidson. Ao checar pela janela, viu cinco Harleys e seus respectivos ocupantes em cima da calçada. Era um grupo de motociclistas que usavam óculos escuros, bandanas e jaquetas de couro. Nas costas da jaqueta tinham estampado um crânio alado. Em cima do crânio estava escrito "Hell Angels" ,e abaixo, "Califórnia". Um deles se destacava pelo tamanho, devia ter bem mais de dois metros de altura. Miravam a casa e já  perceberam que tinha alguém lá quando viram a cortina mover-se ligeiramente. Um motoqueiro posicionou-se à frente, assobiou e gritou:
-Hei, eu já te vi. Vem cá amigo, só vamos conversar.
Lance não pretendia aceitar essa oferta. Ele já estava esperando inimigos e percebeu que eles já chegaram. Embora portasse duas pistolas e uma faca, os homens lá fora eram cinco. O motociclista insistiu:
-Oh! Você vem ou eu vou ter que ir até aí? Já falei que só quero levar um papo!
Era uma cilada, mas como ele iria defender a casa sozinho? Ele tinha que esperar os outros chegarem, não sabia quando e nem quantos. Tinha  que evacuar a casa agora. Chamar os quatro que estavam lá em cima, independente de o padre já ter terminado ou não. Nesse momento, a prioridade era a sobrevivência da família de seu amigo.
Então ele reconheceu uma voz vinda da rua:
-Oi! Da hora essa Harley aí! Modelo "Fat Boy" né?
Era o líder das missões da unidade, Jacke, descendo da sua pick-up vermelha, perto das motos. Os motociclistas olharam contrariados diante da pergunta:
-Qual é a tua, hein cara? Não perguntei o que você acha da minha moto!
-Oh, foi mal colega, é que eu curto Harleys demais! Eu queria ter uma e entrar em um moto-clube pra da um rolê com a galera no fim-de-semana e tal...
Aos olhos dos motoqueiros, essa era apenas uma falação irritante, vinda de um babaca qualquer que não sabia com quem estava falando. Mas a intenção de Jacke era clara para Lance: ganhar tempo e se aproximar do inimigo. Aquele motociclista gigante se posicionou bem atrás de Jacke e o líder falou:
-Então você quer dar um rolê de moto? Blane!
O motoqueiro enorme aplicou, subitamente, uma gravata em Jacke, que fingiu medo. O líder chegou bem próximo de Jacke, encarando-o através de seus óculos escuros, quase encostando os seus narizes. Ficou bem evidente a sua aparência ameaçadora: barba grisalha por fazer e muitas tatuagens, entre elas, o motor de uma Harley Davidson cobrindo todo o antebraço esquerdo e uma teia de aranha no cotovelo direito.
-Que tal dar um rolê com a gente? Só que você vai amarrado e a gente vai te arrastando no asfalto.
-Claro, afinal vocês não são um moto-clube de merda, vocês são "1%".
Jacke mudou aquela postura de otário e começou a falar com seriedade. O líder dos Hell Angels também se mostrou, ligeiramente, surpreso.
-Ah, então o desgraçado pensa que é espertinho.
-Não, é que o meu pai se juntou aos "Mongols" depois de voltar do Vietnã, pra sentir um gostinho da adrenalina da guerra. Eles também eram "1%" , e arrumaram treta com vocês em Las Vegas, não foi?
-Filho de um Mongol é? Vou adorar arrancar o seu coro no asfalto!
-E pelo visto você já foi em cana, né? Pela tatuagem de teia de aranha aí no cotovelo.
-Daqui a pouco você vai estar em coma mesmo então não faz diferença se souber. Sou Roy Tippets, presidente dos Hell Angels da Califórnia. Fui em cana sim e lá eu fiz amizade com um cara da Irmandade ariana chamado Fergus O'Kane. Nós ainda mantemos negócios e eu vim aqui fazer um favor pra ele.
-Ah, era isso que eu queria saber.
Ouviu-se o engatilhar de uma arma e todos olharam do som. Jacke estava com uma 9mm encostada bem nas costelas de Roy.
-Agora manda o seu cachorrão me soltar, monta na moto e cai fora. Se alguém tentar qualquer merda, uma bala vai parar no meio da sua costela e não vai ser fácil tirá-la daí. Isso se você viver o suficiente.
Roy não mudou a expressão séria, mas olhou para o comparsa gigantesco e fez um aceno positivo com a cabeça. Jacke foi solto, mas Roy não se moveu.
-Ninguém diz aos Angels o que fazer.
-Nem se o líder deles levar um tiro que pode matá-lo de hemorragia interna?
Pelo canto do olho, Jacke percebeu que os outros em volta deslizavam as mãos para dentro das jaquetas, de onde, sem dúvida, sacariam uma arma. Sentiu-se em um xeque-mate: poderia matar o líder, mas seria fuzilado por outros três homens. O que ele poderia fazer? Nesse instante, a porta da casa foi escancarada e Lance saiu por ela com duas 9mm em punho, apontando-as direto para os dois inimigos mais próximos. Exclamou:
-Agora vocês pensem se ainda vale a pena comprar briga! Se alguém tentar atirar no meu amigo vai morrer primeiro. Ele vai matar o chefe de vocês e, mesmo que nos matem, pelo menos três vão com a gente.
ele foi apontando as armas para cada motoqueiro:
-Quem vai morrer hoje? Será você? Ou você? Ou você?
Roy foi levantando, suavemente, as mãos, ainda encarando o olhar fixo de Jacke.
-Rapazes, vamos voltar pras motos.
Ele foi se afastando, vagarosamente, da arma de Jacke, indo em direção às motos. Sem dar as costas ou abaixar as mãos.
 -Isso não acabou, desgraçados. Vocês são homens mortos.
-Continue soltando a língua e vai estar me esperando no inferno.
A gangue ligou os motores barulhentos das motos, ainda encarando os dois homens. Deram meia-volta e se foram pela rua. Lance perguntou a Jacke:
-o que é "1%"?
-99% dos moto-clubes respeitam a lei. Eles fazem parte do 1% fora-da-lei, gostam de se autodenominar assim.
-Eles vão voltar, com muito mais homens.
-É, vão mesmo. Vamos ter que sair daqui, mas teremos o nosso reforço.
Ao longe, eles avistaram outra pick-up e reconheceram o motorista e o passageiro: Oliver e Kim, seus companheiros de artilharia.

sexta-feira, 30 de maio de 2014

Bem vindo ao inferno.

Albert percebia que chegava ao inferno que seria sua vida até o fim. Nunca antes ouvira tanto barulho, nem mesmo no tiroteio de sua última missão. O som das grades eletrônicas se abrindo e fechando e, principalmente, a gritaria dos presos que vinha de todas as direções tornavam a cadeia um lugar impossível de se ouvir até os próprios pensamentos. Pelo menos para quem adentrava ali pela primeira vez, e este era o seu caso.
Ele caminhava com os outros detentos recém-chegados por um longo corredor de celas no térreo da penitenciária. Acima estavam mais três andares de celas que eram trancadas por grades. Vestiam o macacão laranja que denunciava o fato de serem novos no local.
Enquanto os novatos se dirigiam às suas celas, em fila indiana e escoltados por alguns guardas, os presidiários antigos faziam uma tremenda algazarra para recebê-los. Para onde quer que Albert olhasse havia homens grandes, com o corpo  repleto de tatuagens e cicatrizes, que o encaravam, apontavam o dedo, xingavam e ameaçavam, procurando amedrontá-lo:
-Aí veadinho! Tu vai ser meu aqui dentro!
-Oh chefia, bota o bonitão aqui comigo!
-Carne fresca chegando!
Para ele, esse lugar parecia um canil, repleto de cães raivosos que latiam e queriam arrancar um pedaço de sua carne. Esse tormento durou até Albert finalmente chegar à uma cela. Faltando apenas alguns metros para entrar, um detento negro alto e de porte avantajado se interpôs entre ele e seu destino, encarando-o. O corpulento homem tinha lágrimas tatuadas bem abaixo de seus olhos e levava um lenço preto amarrado no topo de sua cabeça. como ele vestia uma camiseta regata branca, típica do presídio, seus braços descobertos revelavam a tatuagem de um dragão alado empoleirado em uma torre de prisão. Na lateral de seu ombro estavam escritas as letras "BGF".
Albert não fazia ideia do significado de todas essas tatuagens, apenas imaginava a intenção do sujeito que encontrava-se à sua frente. Nesse momento, percebeu que a barulheira dos prisioneiros cessou e que todos prestavam atenção nele. O olhar fixo dos outros era intimidante, mas o silêncio do estranho era mais assustador ainda. Ele sentia a tensão crescer no ar e estava nervoso com a situação. Porém, embora estivesse tenso, não era a primeira vez em que se colocava em risco. Já havia sobrevivido a vários tiroteios e, ao contrário do que os outros detentos estavam pensando, ele não era uma ovelha indefesa, esperando pra ser devorada pelos lobos. Ele sabia como se cuidar. já havia até arrancado a vida de um homem com suas próprias mãos, aliás, era esse o motivo de ele estar ali.
Finalmente, o outro presidiário se dirigiu calmo em sua direção e o guarda, que o escoltava, pousou a mão no cassetete, caso alguma coisa saísse do controle.
Ignorando o carcereiro, Albert deu um passo à frente para encarar o seu antagonista, mostrando a todos ali que ele não precisava de ninguém para sua própria proteção. O misterioso sujeito se conteve e, depois de um silencioso e tenso intervalo, afastou-se ligeiramente para o lado, sem dar as costas. Com a passagem liberada, Albert prosseguiu, sem abaixar a guarda em relação ao outro homem, e adentrou em seu novo lar.
Depois de uma via tortuosa para alojar o recém-chegado em sua nova casa, o agente penitenciário exclamou:
-Fechar a 15!
Ouviu-se o som da trava eletrônica, seguido da grade fechando-se. O funcionário então dirigiu a palavra ao novato:
-Acostume-se com esse som. você irá ouvi-lo para o resto de sua vida.
Antes de ir embora, o guarda acrescentou:
-Viva cada dia como se fosse o último, porquê aqui, qualquer dia pode ser o último mesmo.

domingo, 25 de maio de 2014

Facada

Certo dia, Albert e Blackwater caminhavam na fila que retornava às celas de seu pavilhão e passavam por um corredor onde havia um preso fazendo faxina. Ele limpava o piso, tranquilamente, com um esfregão e um balde D'água.Até assobiava, enquanto exercia a sua função.
De repente, Albert percebeu que a fila apertou o passo. Logo em seguida, viu um matador sair da fila, saltar nas costas do faxineiro e arremeter uma lâmina improvisada, a partir de um pedaço de metal, em seus rins, dorso, lombar e todo canto das costas em que pudesse acertar. As punhaladas vinham, uma atrás da outra, derramando muito sangue.
O homem que era atacado berrava desesperado. Com muito esforço, ele conseguiu girar o tronco para trás e acertar uma cotovelada no queixo do inimigo, fazendo-o cuspir sangue e alguns dentes. Virando de frente para o seu agressor, o faxineiro lhe deu um, dois, três socos seguidos e furiosos, então catou o seu esfregão para se defender. Ele empunhava o esfregão pela extremidade enquanto brandia a ponta do cabo para manter o seu algoz longe. Fazia lembrar um tigre acuado pelo caçador, desferindo patadas ferozes na esperança de sobreviver.
Os detentos na fila começaram a vibrar em uma arquibancada de jogos esportivos, fazendo daquilo o espetáculo do dia:
-Mata! Corta ele!Corta ele!
-Vai morrer, vacilão! Vai morrer!
Foi aí que mais outro homem saiu da fila, jogou um lençol por cima da cabeça do faxineiro e o imobilizou por trás, segurando o pescoço e o braço. O que antes pareceu uma fera selvagem agora parecia mais um porco encurralado no chiqueiro, prestes a ser abatido. O assassino que atacou primeiro não perdeu tempo ao ver que o alvo estava sem visão ou defesa. Voltou a enfiar a lâmina repetidas vezes no corpo da vítima, que lutava para se soltar. Podia-se ouvir os gritos de dor e desespero por debaixo do lençol que cobria o seu rosto.
Albert imaginou o que se passaria na cabeça do condenado enquanto era esfaqueado. Se ele pensava em continuar lutando por sua vida ou se apenas torcia para que fosse mais rápido e terminasse com aquele tormento, pois já estava claro que não tinha mais como sair dali com vida. Albert ouvira falar de presos que banhavam as facas em suas próprias fezes, urina ou sangue contaminado com HIV, assim, sua vítima não escaparia da morte.
Finalmente, o infeliz parou de gritar e de se debater. Os assassinos soltaram o corpo que mais parecia uma peneira, de tantos buracos que haviam sido cavados em sua carne, por onde o sangue escorria. Os dois voltaram à fila e esta seguiu seu rumo, como se nada tivesse acontecido.